Outubro Rosa — um guia sobre o câncer de mama
Outubro Rosa é uma campanha de conscientização dedicada a alertar para os cuidados de um diagnóstico precoce do câncer de mama. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), estima-se que no triênio 2020/2022, para cada ano, 66.280 novos casos de câncer de mama, com um risco estimado de 61,61 casos a cada 100 mil pessoas, sendo um dos tumores com maior incidência em todo o mundo. Quando descoberto nos estágios iniciais (ou seja, com menos de 1cm), ele possui 95% de chances de cura.
Esse alerta não é para ser feito apenas em outubro: afinal, o tumor não decide que ele quer ser visto na mamografia ou no ultrassom de mamas e axilas apenas neste mês. Por isso, precisamos levar este debate para além do mês de outubro. Temos um mês específico de visibilidade sobre o tema, mas devemos levar essa discussão com pessoas próximas ao longo de todo o ano — e cuidar de nós mesmos neste período.
Este talvez seja o maior e mais difícil post que farei aqui no Medium. A proposta é atualizá-lo ao longo do tempo, com novas informações, complementar informações que tenham ficado faltantes, enfim. Por isso alerto: vai ser um conteúdo longo. Mas garanto que valerá a pena no final.
Desde já, eu encaminho toda a minha solidariedade a todas as pessoas que estejam passando por isso no momento. Sei de perto o quanto este é um momento difícil. Estendo isso aos familiares e amigos dessas pessoas. Para aqueles que perderam pessoas queridas para a doença, meu mais fraterno abraço.
Aproveito e peço para que vocês compartilhem esse post exaustivamente. Em outubro. No ano todo. Nas suas redes sociais, no grupo de Whatsapp, encaminhar no privado para uma pessoa querida, enfim. Essa informação precisa circular. Precisa chegar a todo mundo, além das nossas bolhas. Conto com vocês para isso, ok?
Para começar a conversa…
Bom, puxa uma cadeira, senta aqui, vamos conversar, porque antes de começar, precisamos esclarecer algumas coisas. Apesar de toda a parte de publicidade da campanha focar, normalmente, em mulheres cis, é importante lembrar que os cuidados devem ser realizados por todas as pessoas com estruturas mamárias. Isso significa que:
- mulheres cis;
- mulheres trans;
- homens cis;
- homens trans (mesmo os que passaram por mastectomia masculinizadora). Inclusive, vale a pena acompanhar o trabalho do Thiago Peniche, homem trans, sobre o tema;
- não-binare;
- intersexo, entre outros possíveis gêneros existentes e que possam vir a surgir, todos eles podem vir a ter câncer de mama.
Sobre isso, algumas pesquisas interessantes sobre o tema são:
- há um aumento sensível na incidência do câncer de mama em mulheres trans, em comparação aos homens cisgênero. Segundo pesquisa do University Medical Center, de Amsterdã, as mulheres trans teriam 47 vezes mais chances de desenvolver câncer de mama, em comparação com os homens cis. Isso seria uma evidência de que os tratamentos hormonais para afirmação de gênero poderiam trazer isso como consequência. Contudo, ressaltamos que as chances de câncer de mama em homens cis, apesar de existirem, são pequenas (1%), de forma que a ocorrência em mulheres trans também é pequena;
- em contrapartida, segundo o mesmo estudo, há evidências de que homens trans teriam menores chances de desenvolvimento de câncer de mama, em comparação com as mulheres cis. Isso poderia ter dois fatores: os hormônios utilizados para tratamento de afirmação de gênero, e também porque a retirada realizada na mastectomia masculinizadora diminuiria os tecidos que teriam chances de desenvolver tumores malignos. Contudo, é preciso ainda atenção, já que tecidos mamários podem estar presentes nas estruturas da axila e, portanto, desenvolver tumores nessa região;
- não encontrei pesquisas direcionadas especificamente sobre percentuais de chances de desenvolvimento em pessoas intersexo. Contudo, também devem ter atenção à essas questões.
Por isso, esse não é um assunto apenas para mulheres cis, diferentemente do que muito do imaginário comum pensa. Além disso, ainda há pouco desenvolvimento de estudos sobre o tema em pessoas não-cisgênero, o que evidencia, ainda, uma cisnormatividade da pesquisa científica sobre essa questão.
Outro ponto que é importante levantar: essa conversa não diz respeito apenas aos cuidados consigo mesmo, mas também, para ações empáticas com pessoas a sua volta: familiares próximos, parceiro(a/os/as), amigos(as). Quanto mais nós soubermos sobre a questão, melhor poderemos auxiliar pessoas importantes a nossa volta. Além disso, é fundamental saber: a rede de apoio a essas pessoas também merece atenção em relação à saúde mental. Claro que o foco dos esforços é sobre a pessoa que está passando pelo problema, mas lembre-se que uma rede funciona como um sistema: é normal acontecer um adoecimento mental do sistema como um todo (e isso nunca será responsabilidade da pessoa com câncer ok?). Quanto mais você entender isso e compreender que, da mesma forma que oferece cuidados, você também precisa, melhor essa rede funcionará.
Outro ponto para começarmos a conversa é estabelecer claramente: o que é um câncer? Bom, trata-se da formação de um tumor gerado por uma multiplicação de células de forma desordenada e que comprometem a saúde do paciente.
Prevenção pelo autoexame de toque
Bom, vamos do começo: como é sabido, as chances de cura do câncer de mama são altas quando ele é descoberto no começo. Porém, para que isso aconteça, é importante que você esteja atento ao seu corpo — sim, ele dialoga com você, emite sinais de sintomas. Daí a importância do tão falado “autoexame de toque”.
Se você nunca fez, ou se não tem certeza de que está fazendo certo, deixo a seguir um vídeo importante, de uma campanha argentina sobre o tema (uma provocação, também, sobre a falha nos algoritmos em censurar mamilos, já que as políticas de comunidade de Instagram e Facebook permitem nudez para fins de conscientização, mas… na prática não é assim)
Reforço mais uma vez: esse é um ponto vital da prevenção. E porque ressalto isso? Porque aqui vou fazer um relato pessoal: até passar por isso na família, eu mesma não fazia autoexame.
Contudo, alguns nódulos podem ser não-palpáveis, ou seja, eles não são identificados no autoexame — meus dois fibroadenomas, por exemplo, são tímidos, eles não gostam de ser encontrados nem pela minha mastologista.
Sintomas
A suspeita sobre câncer de mama pode ocorrer devido a alguns sintomas característicos. Por isso, caso você tenha algum deles, fique atento(a) e procure um mastologista. São eles:
- nódulo fixo e indolor, encontrado na região das mamas e axilas;
- a pele da mama fica avermelhada, retraída ou com aspecto de casca de laranja;
- há alterações nos mamilos (mudança de cor, textura, rachaduras, ou até mesmo uma inversão ineseperada neles);
- liberação de líquido pelos mamilos, de forma espontânea, não ligada com amamentação.
Caso você sinta algum desses sintomas, procure o mais rápido possível um especialista. Ressaltamos mais uma vez: o diagnóstico precoce é fundamental para o aumento das chances de cura do tumor mamário.
Outro ponto importante: essas alterações podem ser sintomas de situações benignas. Portanto, respire fundo, mantenha a calma e converse com seu profissional de confiança.
Causa e fatores de risco
Identificar o que, de fato, causa o câncer de mama é um dos principais pontos que os cientistas se debruçam constantemente — afinal, a partir da causa, seria possível criar tratamentos mais eficazes, com menores efeitos colaterais e ter uma ação de prevenção mais eficiente.
Há fatores de risco que podem potencializar as chances do desenvolvimento de câncer de mama? Segundo o INCA, seriam eles:
- idade: a maioria dos tumores malignos surgem a partir dos 50 anos;
- obesidade e sobrepeso após a menopausa para pessoas com útero;
- sedentarismo;
- consumo elevado de bebida alcoólica;
- exposição frequente à radiações ionizantes (é por isso que, de forma precoce, evita-se submeter os(as) pacientes aos exames como mamografia/tomografia/ressonância para controle preventivo);
- surgimento da primeira menstruação antes dos 12 anos para pessoas com útero;
- não ter tido filhos ao longo da vida ou, então, não ter amamentado os filhos (pessoas com útero);
- primeira gravidez após os 30 anos (pessoas com útero);
- menopausa tardia (após os 55 anos) para pessoas com útero;
- uso de contraceptivos hormonais combinados por via oral ao longo da vida (compostos de estrogênio-progesterona);
- tratamentos de afirmação de gênero com hormônios femininos;
- realização de reposição hormonal, por mais de 5 anos, após a menopausa, para pessoas com útero;
- história familiar de câncer de ovário e mama (normalmente ligado à família materna). No caso do câncer de mama, a influência ocorre, majoritariamente, pelos parentes que tenham tido casos antes dos 50 anos (representa 5% a 10% da incidência da doença);
- histórico de câncer familiar em pessoas com pênis na família;
- alterações genéticas (genes BRCA1 e BRCA2. Um caso famoso foi o da atriz Angelina Jolie que retirou as mamas, como forma preventiva, após ter realizado os exames genéticos que determinaram que ela tinha o BRCA).
Importante frisar: a presença dos fatores de risco, seja um deles ou mais, não faz com que você vá ter, necessariamente, a doença. Da mesma forma, pessoas que não tenham nenhum desses fatores podem vir a desenvolver o câncer de mama.
Observar os fatores de risco é importante, tanto para decisões assertivas (por exemplo, se você tem histórico familiar de câncer de mama, pode optar por métodos não-hormonais como mitigação de riscos), quanto para informar seus médicos de confiança sobre questões que mereçam atenção (por exemplo, ginecologistas pedirem exames de controle preventivo para pessoas com útero que tenham histórico familiar direto).
Além disso, hábitos de vida saudável são uma forma de prevenção. Ainda assim, uma pessoa que pratique atividades físicas, se alimente corretamente, tenha uma saúde boa, pode vir a desenvolver o câncer de mama. Isso significa que, então, “pode tocar pro foda-se” os cuidados? Não! Até mesmo para o tratamento do câncer, caso ele surja, será muito melhor e tranquilo se você tiver hábitos saudáveis.
Diagnóstico
A recomendação do Ministério da Saúde, seguindo recomendações da OMS, é que a mamografia de rastreamento preventivo seja realizado a partir dos 50 anos, bienal, até os 69 anos. Há profissionais que pedem o controle anual. Ele é solicitado apenas após essa idade, por ter uma maior nitidez para o diagnóstico, contudo, expõe as pessoas à radiação (um dos fatores de risco). Como a incidência do problema é, em sua maioria, a partir dos 50 anos, recomenda-se que antes desta idade, o controle seja feito por ultrassom de mamas e axilas.
O exame de ultrassom de mamas é indicado nos casos de pessoas antes dos 40 anos que evidenciem algum tipo de alteração (por exemplo, sentiram nódulos palpáveis) e realização anual para mulheres acima dos 25 anos.
BIRADS e significados de classificação
Esse é um ponto que eu acho fundamental, porque, relato pessoal, por pouco isso não custou a saúde de um familiar quanto a isso. A classificação BIRADS (Breast Imaging Reporting and Data System) é uma forma de universalização dos protocolos de imagem e procedimentos que devem ser realizados pelos profissionais (sejam mastologistas ou ginecololistas avaliando o caso) e também orientam a classificação dos responsáveis pelo diagnóstico de imagem.
Assim, quando você realiza um ultrassom de mama ou mamografia, ele vai trazer algum tipo de classificação BIRADS. Diante disso, seu profissional de confiança deverá adotar algumas medidas. Veja caso a caso a seguir:
- BIRADS 0: trata-se de avaliação incompleta, ou seja, é preciso repetir o exame de imagem, ou realizar algum tipo de exame complementar;
- BIRADS 1: exame normal, sem alterações (sejam elas benignas ou malignas). É o sonho de toda(o) paciente. Neste caso, a recomendação é a continuidade do acompanhamento de forma anual.
- BIRADS 2: o exame trouxe algum tipo de alteração cuja classificação é achado benigno. Podem ser cistos simples, calcificações, nódulos calcificados ou calcificações redondas. Neste caso, a recomendação é continuidade do acompanhamento de forma anual.
- BIRADS 3: o exame aponta algum tipo de alteração cuja classificação é provável benigno. Pode ter sido encontrado algum tipo de alteração de nódulos hipoecoicos, sólido e ovalado com eixo transverso maior que o anteroposterior. A recomendação é continuidade do acompanhamento com repetições semestrais, por dois anos.
- BIRADS 4: aqui temos uma alteração considerada provável maligno, exigindo maior atenção por parte do profissional. Pode ser uma suspeição baixa (a), intermediária (b) ou uma suspeição alta (c). A recomendação imediata é a realização de biópsia para análise histopatológica.
- BIRADS 5: é uma classificação que aproxima mais de uma certeza de malignidade, em comparação com o BIRADS 4. A recomendação imediata é a realização de biópsia para análise histopatológica.
- BIRADS 6: é a classificação para determinar pacientes que já tenham recebido a confirmação, por meio da biópsia, do quadro de câncer.
Eu ressalto a importância de informar sobre isso por um motivo, para mim, muito caro: meu familiar que recebeu um exame com BIRADS 4 foi encaminhado, pelo seu profissional de confiança, a controle anual. A sorte foi que a pessoa pesquisou o significado dessa alteração, descobriu qual era a recomendação e buscou uma mastologista. Resultado final? Carcinoma ductal invasor triplo negativo com alto índice de proliferação (um tumor extremamente agressivo), cujas consequências poderiam ser irreversíveis se tivesse aguardado o ano seguinte para a repetição do exame.
A grande questão é: nem todas as pessoas conseguem entender, de imediato, o que é essa classificação, ou confiam no profissional — que, eventualmente, pode errar e esse erro custar caro. Portanto, daí cabe a importância desta informação.
Biópsia e cirurgia
Realizou o exame e identificou um BIRADS 4 ou 5? Seu profissional de confiança indicará a realização da biópsia, que pode ser feita por:
- PAFF: aspiração com agulha fina, que retira células isoladas de um nódulo suspeito. Em alguns casos, o profissional pode ter maior dificuldade em conseguir colher o material de um nódulo por meio dela (foi meu caso, o que gerou hematoma na região pós-exame);
- Core biopsy: punção com agulha grossa, removendo uma amostra de tecido, que será enviada para análise;
- biópsia cirúrgica: quando não é possível realizar os procedimentos anteriores. Remove maior quantidade de tecido e pode-se remover parte do nódulo, ou ele todo.
Lembrando que as três são realizadas com anestesia local ou, então, pode-se recomendar a anestesia geral no caso de biópsia cirúrgica. A partir disso, é levado o material para um laboratório de análises, que fará a identificação histopatológica do material.
Segundo o Instituto Oncoguia, o tipo mais comum é o carcinoma de células epiteliais, que pode ser:
- in situ: elas estão presentes in loco, ou seja, não invadiram ainda regiões próximas ou o tecido mamário. Como ele não disseminou para outras regiões, por pressuposto, ele não é passível de levar a metástase neste estágio;
- invasoras: são aquelas que já saíram de sua localidade e atingem células próximas.
Também podem ser encontrados os tipos:
- ductal (que pode ser in situ ou invasor): são aqueles encontrados no revestimento dos ductos mamários. O tipo ductal invasor é o mais comum (80% dos casos) e, neste caso, atinge tecidos mamários, podendo levar a metástase.
- lobular (que pode ser in situ ou invasor): ele surge nas glândulas produtoras de leite (lóbulos). Quando é invasor, pode disseminar para outras regiões, sendo bem menos comum (10% dos casos).
O oncologista, em conjunto com o mastologista, definirá, de acordo com os dados do exame de imagem e biópsia, qual será o procedimento adotado. A cirurgia pode ser conservadora (retira-se um dos quadrantes mamários, por exemplo) ou mastectomia (retirada total da mama, podendo ser unilateral ou bilateral). Isso dependerá da situação que os profissionais encontrarão nos exames.
Um ponto importante: em alguns casos, a pessoa poderá entrar na sala de cirurgia esperando por uma cirurgia conservadora e, segundo o encontrado, optar-se por uma mastectomia. Isso ocorre, muitas vezes, porque ao começar a cirurgia, é feito uma biópsia do linfonodo sentinela, encontrado na axila. Se tiver sinal de metástase nessa análise, os profissionais podem definir na hora se farão a mastectomia total e esvaziamento dos linfonodos axilares. Isso deve informado previamente pelos profissionais responsáveis pela cirurgia.
Em alguns casos, a reconstrução mamária pode ser feita imediatamente. Isso significa a colocação de prótese de silicone (para mastectomia total) ou, então, deslocamento de material de outras partes do corpo para reposição do quadrante retirado.
Em alguns casos, os médicos envolvidos podem optar pela adenomastectomia, preservando pele, auréola e mamilo.
Tratamento
Após a cirurgia, o tumor é enviado para o rastreio da imunohistoquímica. Esse exame é uma espécie de “raio X” do câncer. Ele mostrará para o oncologista algumas questões importantes, tais como:
- avaliar se ele possui Receptor de Estrogênio (RE);
- avaliar se ele possui Receptor de Progesterona (RP);
- receptor 2 do Fator de Crescimento Epidérmico Humano (HER-2);
- avaliar se, nos casos de negativa, se ele é do tipo Triplo Negativo;
- análise da proteína ki-67, que auxilia a avaliar a proliferação tumoral, ou seja, a agressividade do tumor.
Isso é importante porque serão esses dados que determinarão qual é o tratamento com maiores chances de eficácia. Por exemplo, um tumor HER-2 positivo tem uma terapia-alvo específica para ele, que é diferente do tratamento para um RE positivo.
Assim, o oncologista precisa ter esses dados em mãos, bem como a avaliação da proteína ki-67 para identificar os tipos de tratamento, se será necessário intervir com quimioterapia/radioterapia, qual o tipo será utilizado e o número de sessões utilizados.
Além disso, o tratamento dependerá do estadiamento (fase da doença) atual, condições de saúde do(a) paciente, entre outros fatores. Pode-se optar, dependendo do caso, por tratamentos locais (cirurgia e radioterapia) ou por complementar com tratamentos sistêmicos (quimioterapia(s), hormonoterapia, terapia biológica).
Normalmente não é um oncologista sozinho que define os protocolos de tratamento — devido às implicações de erros médicos, o responsável pelo caso conversa com uma junta médica (comum em hospitais oncológicos) e define-se o melhor tipo de tratamento, considerando as características do tumor e a saúde da pessoa com câncer. O objetivo é encontrar o melhor equilíbrio para manter a qualidade de vida da pessoa e evitar riscos de metástase futuros.
Os tratamentos mais comuns, assim, são:
Quimioterapia
A quimioterapia é um dos tratamentos sistêmicos mais utilizados para o câncer de mama. Trata-se do uso de fármacos que são feitos para destruir células que se multiplicam rapidamente — como os tumores. Mas também afeta, por exemplo, cabelo e pelos. Por isso as pessoas que se submetem a ela tendem a ter queda desses tecidos durante o tratamento.
Ele pode ser recomendado como tratamento adjuvante, pós-cirurgia, para garantir que possíveis células cancerígenas que ainda estejam presentes no corpo sejam combatidas, ou então para casos de metástase ou tumores recorrentes.
Há diversos tipos de medicamentos quimioterápicos. Os tipos escolhidos (branca, vermelha, entre outras) será de acordo com o caso da pessoa, bem como o intervalo entre as sessões.
Normalmente são feitos exames de sangue para avaliar a resposta imunológica do paciente. Se ele tiver uma queda acentuada no leucograma (principalmente bastões e segmentados), opta-se por suspender a sessão naquele momento, para recuperação da pessoa.
Ela pode ser aplicada tanto de forma intravenosa quanto por via oral, em cápsulas. Nos casos em que a pessoa tenha dificuldades no acesso endovenoso, pode-se optar pela colocação de um cateter na região torácica, que facilitará a administração do medicamento.
A quimioterapia é muito conhecida, infelizmente, pelos seus efeitos colaterais. Eles podem desaparecer logo após o tratamento ou permanecer por algumas semanas. Nem todas as pessoas têm os mesmos efeitos colaterais. São os mais comuns de todos os tipos de quimio:
- queda de cabelo e pelos do corpo;
- fadiga;
- náuseas e vômitos recorrentes;
- sensação de quentura no topo da cabeça;
- diarreia ou constipação;
- escurecimento e queda das unhas;
- extremidades formigando e dormência;
- alteração no humor e libido;
- inflamações na boca e dificuldade para comer;
- inflamações e hemorragias;
- problemas renais.
Nas consultas de retorno, sempre relate ao seu oncologista os sintomas que está sentindo. Ele poderá passar medicamentos que auxiliam a minimizar alguns dos efeitos.
Alguns cuidados que os pacientes devem ter, e procurar o seu médico imediatamente, são nas seguintes situações:
- febre acima de 38º;
- hemorragia;
- reação alérgica (PRINCIPALMENTE DURANTE A APLICAÇÃO DA QUIMIOTERAPIA, POIS PODE SER SINAL DE CHOQUE ANAFILÁTICO. CHAME O PROFISSIONAL DE SAÚDE RESPONSÁVEL IMEDIATAMENTE);
- calafrios intensos;
- dor no local do cateter ou da injeção;
- falta de ar;
- fezes ou urina com sangue.
Radioterapia
É um tratamento local, aplicado na região em que ocorreu o surgimento do tumor. A radiação é utilizada para destruir as células cancerígenas. Pode ser utilizada, também, para diminuir tumores metastáticos que estejam comprimindo outros órgãos. Como ela não consegue mirar especificamente nas células malignas, também gera destruição de células saudáveis.
Ela também proporciona efeitos colaterais, tais como:
- queimadura na região da aplicação;
- inchaço e sensação de peso na mama;
- alterações na pele;
- fadiga;
- pode danificar o tecido de regiões próximas, como braço.
Hormonioterapia
A hormonioterapia é indicada nos casos em que a pessoa tenha um tumor hormoniodependente, ou seja, com receptores para estrogênio ou progesterona. Assim, a ideia é bloquear a chegada desses hormônios nas células cancerígenas, evitando seu crescimento. Os efeitos colaterais dependerão do tipo de bloqueador utilizado. Os principais administrados atualmente são:
- Tamoxifeno (bloqueador de receptores estrogênio);
- Toremifeno (bloqueador de receptores estrogênio indicado para casos avançados);
- Fulvestranto (bloqueador sistêmico de estrogênio).
Terapia-alvo
A terapia-alvo é aquela destinada ao tipo de receptor que o tumor está suscetível. Por exemplo, se o seu câncer é HER-2+, é possível realizar um tratamento focado apenas nessas células, que minimize os riscos de efeitos colaterais e exposição prolongada aos outros procedimentos. Assim, bloqueia-se o crescimento dessas células ao longo do tempo.
Estágios do câncer
Os tratamentos têm uma forte influência dos estágios do câncer. Vamos entender um pouco mais sobre cada um deles a seguir.
- Estágio I: o tumor tem até 2cm e não se espalhou para outras regiões (pode-se enquadrar aqui o comprometimento do linfonodo axilar).
- Estágio II: são encontrados tumores entre 2,1cm e 5cm. Pode enquadrar-se, aqui, pacientes que tiveram linfonodos axilares comprometidos. Em alguns casos, dependendo do resultado da imunohistoquímica do paciente, pode-se optar por não realizar a mastectomia.
- Estágio III: foi encontrado tumor superior a 5cm e que estejam ainda localizados na região mamária, sem observação de possível metástase. Nesse caso, muitos profissionais optam por um tratamento sistêmico (quimioterapia) ou local (radioterapia) para diminuir o tumor, antes de optar pela cirurgia.
- Estágio IV: há já a evidência de metástase para outros órgãos. O objetivo, assim, é buscar uma sobrevida de qualidade para a(o) paciente, observando quais tratamentos podem ser realizados, que não interferirão na saúde da pessoa.
Controle pós-câncer de mama
Após o tratamento, começa a contar a famosa “janela do câncer de mama”, o período no qual as pessoas que tenham sofrido com a doença passam a realizar controles contínuos para analisar o quadro evolutivo da questão, analisando se não haverá qualquer tipo de recidiva ou metástase. As(os) pacientes passarão por uma série de exames, periodicamente, analisando as principais regiões nas quais a metástase se manifesta:
- pulmões;
- ossos;
- fígado;
- cérebro;
- abdômen;
- ovários.
Assim, alguns dos exames mais pedidos neste momento, pelo oncologista responsável pelo caso, são:
- cintilografia óssea.;
- hemograma completo;
- painéis bioquímicos;
- ultrassom abdominal completo;
- ultrassom transvaginal;
- tomografia computadorizada;
- raio-x pulmonar;
- análise de marcadores tumorais (CEA, CA 19.9 , CA 15–3).
Os exames pedidos e a periodicidade dependerão do tipo de câncer que você teve e o quadro evolutivo ao longo do período. Normalmente o protocolo é:
- exames de 3 a 6 meses nos primeiros 2 anos após o tratamento;
- exames de 6 a 12 meses nos anos 3 e 4;
- anual a partir do 5 ano.
Se você não encontrar nenhuma recidiva ou metástase, ótimo! Contudo, você pode ser surpreendido com isso durante o controle. Isso não significa que estará refém do câncer de mama, mas que poderá continuar vivendo bem, com qualidade de vida, mesmo com ele. Atualmente, os tratamentos conseguem garantir uma sobrevida longa, mesmo que ela ocorra em locais delicados (como o cérebro, pulmões, entre outros).
É claro que é assustador, e entendemos bem o medo que toda essa situação traz. Mas é importante reforçarmos: você é mais do que o câncer de mama e não é refém dele!
Saúde mental e autoestima
Há dois pontos nos quais o câncer de mama influencia demasiadamente, ainda mais para quem se identifica com o gênero feminino: queda do cabelo e estética das mamas.
Ao longo da vida, sempre foi ouvido que “o cabelo é a moldura do rosto” e uma dependência da beleza estética com um cabelo bonito. Além disso, associa-se muito, justamente, a “careca” de pessoas do gênero feminino com “doença”. Estamos em 2020, sociedade, vamos parar com isso, né?
Mas como são questões que precisam ser resolvidas a curto prazo, uma solução pode ser optar pelos lenços ou pelas perucas para pacientes da doença. Diversas entidades recebem doações de cabelos e as transformam em laces que podem ser utilizadas por essas pessoas, para amenizar o desconforto e trazer um maior conforto para seu dia a dia.
Eventualmente você pode desapegar disso, pode ser que não. Isso vai de cada pessoa. Importante é se respeitar e tomar os cuidados necessários para proteger a pele dessa região. Caso assuma a cabeça lisa, lembre-se do protetor solar e/ou colocar um lenço ou chapéu para proteger a exposição prolongada ao sol, o que pode gerar queimaduras (e é, inclusive, uma das recomendações no período de quimioterapia — evitar exposição desprotegida ao sol, para evitar manchas na pele).
Para aquelas que se identificam com o gênero feminino, ou de alguma forma, performam feminilidade (ainda que possamos discutir, em um outro momento, sobre “performar feminilidade”, mas não é o foco deste artigo), a mastectomia total costuma causar sérios impactos na autoestima. Isso porque ainda vivemos em uma sociedade que erotiza fortemente os seios. Não é a toa, por exemplo, que no Brasil, um dos procedimentos estéticos mais procurados é a realização do implante de silicone.
Para muitas delas, a retirada das mamas (que envolve retirada de estruturas intimamente ligadas com erotismo, como o mamilo) torna-as “menos mulheres”, “menos desejáveis”, “menos bonitas”, entre outros pontos. O medo de ser rechaçada pelo(a) parceiro(a) ainda evidencia, infelizmente, uma cobrança muito forme do machismo sobre a “perfeição estética feminina”, mesmo em um caso de saúde.
É claro que não podemos cobrar, de forma imediata, que essas pessoas não se sintam mal diante disso. Afinal, com a cobrança social, é muito difícil que um indivíduo não sinta os impactos disso. Mas podemos — e devemos — trazer essa discussão para a sociedade, pois são nossas ações conjuntas que podem reforçar ou desestigmatizar isso.
Além disso, precisamos ressaltar a importância dos cuidados com saúde mental: seja para quem está começando a passar por isso, quem teve metástase, está passando por quadros avançados, enfim, sabemos que trata-se de uma doença agressiva não só para a saúde física, mas também para a mental.
Por isso, não deixe de pedir ajuda. Os hospitais oncológicos oferecem acompanhamento com psicólogos (tanto na rede pública quanto na privada), bem como uma série de profissionais da psicologia atuam, de forma colaborativa, em ONGs e instituições para oferecer todo o suporte para essas pessoas. Ainda existem iniciativas de grupos de apoio, no qual as(os) pacientes podem ter contato com outras pessoas que estejam passando pela situação e gerarem uma rede de apoio mútuo. Isso é fundamental, pois essa troca pode ser benéfica em diversos níveis. Por exemplo, a dica de uma pessoa pode auxiliar você a passar pela quimioterapia de forma mais confortável diante dos efeitos colaterais.
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Bom pessoal, como disse, esse é um guia “em construção”, ou seja, ao longo do mês de outubro eu vou atualizá-lo aqui. Mandem suas dúvidas, sugestões de complementação, conversem por aqui ou lá no Instagram, vamos tornar esse um tema mais debatido e tirar as dúvidas e angústias da população sobre o tema, ok?
Vamos seguindo juntos!