“O regime da diferença sexual […]é histórico e é mutável” — Paul B. Preciado
Em 2019, Paul B. Preciado fez uma participação emblemática na 49ª Jornada da Escola da Causa Freudiana, na França, na qual propõe uma série de críticas a visões conservadoras da psicanálise (principalmente Freudiana).
Como alguns comentadores falaram depois, foi um Anti-Édipo vivo, em corpo-linguagem. Vamos mostrar a seguir alguns dos principais pontos de sua fala:
- ele faz uma analogia com uma história de Kafka (“Um Relatório para uma Academia”), para falar que saiu da “jaula cis” para a “jaula trans”, criticando as possíveis categorizações psicanalíticas sobre o seu corpo-sujeito. Ele estaria, assim, “para além da neurose; à beira, ou mesmo, dentro da psicose, tendo uma incapacidade de resolver corretamente um complexo de Édipo ou havendo sucumbindo à inveja do pênis”;
- “Eu, enquanto corpo trans, enquanto corpo não binário — a quem nem a medicina, nem o Direito, nem a psicanálise, nem a psiquiatria reconhecem o direito de falar, nem a possibilidade de produzir um discurso uniforme de conhecimento sobre mim mesmo — ; eu aprendi, como Pedro Vermelho, a linguagem do patriarcado colonial: a língua de vocês.”
- critica uma visão conservadora e anacrônica do tema da conferência (“mulheres na psicanálise”), colocando-as como uma criatura exótica entre as flores, sobre a qual precisa-se pensar, de tempos em tempos, quando acharem que vale a pena.
- sugere, de forma ácida, que seria preciso, então, criar um encontro sobre “homens brancos héteros burgueses na psicanálise”, que é visto, ainda, como uma espécie de sujeito universal, ou seja, que está no centro da enunciação e tirando todas as demais possibilidades de sujeitos do centro da discussão, destinando-os às margens;
- propõe que a visão de gênero e diferença sexual que temos é histórica e, principalmente, mutável. E que o binarismo está em xeque desde 1940, e vai ceder lugar para uma nova visão dessas questões, já indicadas pelas mudanças cada vez maiores da visão sobre sexualidade, identificação de gênero, relações amorosas, entre outros;
- o sistema binário de gênero (que ele chama de “regime das diferenças sexuais”, assim, trata-se de uma economia política do corpo e controle das energias reprodutivas do corpo e que se cristaliza na segunda metade do século XIX (como falamos aqui no post sobre Sciencia Sexualis). E pior, antes dessa época, as mulheres nem existiam, já que apenas a anatomia e sexualidade masculina eram tidas como soberanas;
- a psicanálise surge, justamente nesse momento em que se cristalizam as questões do regime de diferença sexual, no qual se distinguem, justamente, pelas suas figuras reprodutivas — e a partir daí, a homossexualidade e demais sexualidades que fogem deste padrão reprodutivo são vistas como patológicas;
- afirma que a psicologia não critica a epistemologia dominante que domina os corpos, mas sim, uma terapia que permite que o sujeito patriarcal-colonial continue funcionando, a despeito dos custos psíquicos sobre outros corpos;
- fala do quão recente é a “descoberta” da intersexualidade e transexualidade (1947 e 1960, respectivamente) e como isso gera um assombro na medicina, psiquiatria e psicologia de que há uma multiplicidade de possiblidades para além do binarismo de gênero;
- aponta Lacan como um dos primeiros a tentar oferecer uma resposta a essas questões
Diante de todos os pontos, Paul propõe a analisar e repensar os pressupostos da psicanálise, já que, como ele mesmo diz, a diferença sexual é crucial na explicação da estrutura do aparelho psíquico na psicanálise. Chama-os para responsabilidade de promover mudanças significativas nessa epistemologia, mudando para um contexto no qual reconhece outras formas de subjetividade política. Assim, propõe a pensar em uma psicanálise:
- despatriarcalizada (não-patriarcal);
- deseterossexualizada (não-heteronormativa) e
- descolonizada (não-colonial).
Você pode conferir a íntegra da conferência neste link e assistir ao vídeo, legendado em português aqui.